Introdução
A lenda da Gralha Azul é típica da região sul do Brasil, principalmente do estado do Paraná. A gralha azul é a ave replantadora da árvore símbolo do estado do Paraná: a araucária (tipo de pinheiro).De acordo com a lenda, a ave tem a missão divina de ajudar na disseminação desta árvore. Durante o outono, os bandos de gralhas azuis pegam os pinhões (frutos das araucárias) e os estocam no solo ou em pedaços de árvores apodrecidos no chão. Neste processo, favorecem o nascimento de novas árvores.
A lenda da gralha azul
De acordo com a lenda, há muito tempo, a gralha azul era apenas uma gralha parda, semelhante as outras de sua espécie. Mas um dia a gralha azul resolveu pedir para Deus lhe dar uma missão que lhe faria muito útil e importante. Deus lhe deu um pinhão, que a gralha pegou com seu bico com toda força e cuidado. Abriu o fruto e comeu a parte mais fina. A outra parte mais grodinha resolveu guardar para depois, enterrando a no solo. Porém, alguns dias depois ela havia esquecido o local onde havia enterrado o restante do pinhão.
A gralha procurou muito, mas não encontrou aquela outra parte do fruto. Porém, ela percebeu que havia nascido na área onde havia enterrado uma pequena araucária. Então, toda feliz, a gralha azul cuidou daquela árvore com todo amor e carinho.
Quando o pinheiro cresceu e começou a dar frutos, ela começou a comer uma parte dos pinhões e enterrar a parte mais gordinha (semente), dando origem a novas araucárias. Em pouco tempo, conseguiu cobrir grande parte do Estado do Paraná com milhares de pinheiros, dando origem a floresta de Araucária.
Quando Deus viu o trabalho da gralha azul, resolveu dar um prêmio a ela: pintou suas penas da cor do céu, para que as pessoas pudessem reconhecer aquele pássaro, seu esforço e dedicação. Assim, a gralha que era parda, tornou-se azul.
Fidêncio Silva e a gralha azul
Pois foi à fazenda dos Pinheirinhos que veio ter um dia o Fidêncio Silva, homem de grandes negócios, com casa matriz em Curitiba e filial em Ponta Grossa. Havia muito já que não experimentava descanso daquela agitação comercial em que vivia, e a necessidade de um repouso prolongado tornara-se-lhe cada vez mais patente.Ora, Fidêncio Silva era parente afastado da esposa de José Fernandes. Assim, logo que pensou em descanso, lembrou-se dos Pinheirinhos, longe daquele bulício de transações e onde o clima não podia ser mais saudável.
E não tardou que estivesse a respirar, com evidente contentamento, o ar puro e varrido da campanha guarapuavana.
José Fernandes recebeu-o fidalgamente, como costumava fazer para todos que traziam uma certa importância de responsabilidades. Pôs os Pinheirinhos à disposição do seu hóspede pelo tempo que desejasse: um, dois, três meses e mais se lhe aprouvesse.
Ali teria plena liberdade; quando não quisesse sair nas ocasiões de rodeio, poderia ficar em casa, a uma sombra do pomar, folheando qualquer livro da sua biblioteca quase totalmente agrária, mas que possuía, também, alguma literatura. E passeios igualmente não faltariam: um dia voltearia um rincão; outro iria às terras de planta, levando espingarda para espantar algum porco-do-mato; hoje faria uma caçada de anta mais para o sertão ou sairia a passarinhar pelos capões; amanhã correria a vizinhança, ouvindo prosa de caboclo; e até pescaria, se quisesse, poderia fazer no Picuiry, três léguas ser-tão adentro.
Dessa maneira não havia como não corressem agradabilíssimos os trinta dias que Fidêncio Silva pretendia passar nos Pinheirinhos.
E assim foi.
Um domingo depois do almoço, saiu à caça com o fazendeiro.
Bem municiados, espingardas suspensas pelas bandoleiras ao ombro, entranharam-se os dois por extenso e tapado capão, "querência certa de muito veado, cutia e quati" - afirmava o José Fernandes.
Mas a sua asserção foi logo posta em cheque pela evidência dos fatos: os caçadores não viam um só animalzinho que merecesse chumbo grosso, embora já tivessem andado muito. Passaram então a sondar a ramagem, na esperança de divisar algum pássaro de saborosa carnadura.
Em certo momento Fidêncio Silva parou e fez um sinal de silêncio ao companheiro. Depois, engatilhou, apressado, a arma, e firmou pontaria, visando a fronde de retorcida guabirobeira.
O fazendeiro procurou a caça, erguendo o olhar para a direção indicada pelo cano da espingarda. Súbito, um tremor sacudiu-lhe o corpo e, de um pincho, esteve ele ao lado de Fidêncio Silva. Mas já era tarde: o rebôo do tiro perdia-se molemente pelas quebradas da mata, soturno, a evocar tristeza naquela quietude frouxa de um mormaço estonteante.
A expressão condoída da fisionomia do José Fernandes durou pouco e de todo desapareceu ao ruflar das asas ligeiras esgueirando- se assustadiças por entre as tramadas franças. O atirador errara o alvo e, boquiaberto, todo interrogação, estacava os olhos no fazendeiro, que, ainda com a mão no cano da arma, que pretendera desviar antes do tiro partir, desafogava um longo suspiro de satisfação.
- Meus parabéns!, foram as primeiras palavras de José Fernandes, entre irônicas e zombeteiras.
- Parabéns!?, exclamou, ainda mais intrigado, o Fidêncio Silva.
- Então nào merece cumprimentos o caçador que erra tiro em gralha azul? Renovo-os: toque nestes ossos!
E estendeu-lhe a destra.
- Quero compreender as suas palavras, mas creia, não posso atinar com o porquê do seu arrebatamento de há pouco. Não matar com carga de chumbo um pássaro do tamanho dessa gralha, concordo que seja de péssimo atirador; porém...
- Não. Não o censurei por errar. Muito pelo contrário: apresentei-lhe os meus sinceros parabéns.
Confundido, meio envergonhado, o Fidêncio Silva confessou:
- O amigo tem, então, duas coisas para explicar-me.
- Uma só, uma só.
- Emendou logo o fazendeiro.
- Há coerência entre as minhas palavras e a anterior atitude. Eu lhe conto tudo. Sente-se aí nesse tronco caído e escute-me.
O negociante obedeceu maquinalmente. Depois tirou de um lenço e pôs-se a enxugar o suor que lhe escorria pelo rosto, enquanto, largando o corpo preguiçosamente sobre a trançada grama, José Fernandes foi falando assim:
- Era no inverno, quinze anos atrás. Havia muita seca e o gado caía de magro. Certa tarde montei a cavalo e saí a costear banhados e a percorrer sangas, na esperança de salvar alguma criação que porventura se atolasse ao saciar a sede.
Levava comigo uma velha espingarda de ouvido, que sempre me acompanhava, porque naquele tempo não poupava graxaim que encontrasse pelo campo, a negociar leitões e carneirinhos. Pois bem, regressava para casa, vagaroso, o pensamento nos grandes prejuízos que a seca estava ocasionando, quando vi um bando de gralhas azuis descer à beira de um capão, entre numeroso grupo de pinheirinhos.
Para afugentar, ainda por pouco, a minha tristeza, acrescida pelo fato de ter naquela volteada encontrado mais duas reses estraçalhadas pelos corvos, resolvi dar caça àqueles animaizinhos. Aproximei-me cauteloso, apeando a respeitosa distância. Não muito longe, detive-me à sombra de um pinheirinho e contemplei, por instantes, o bando.
- Eram poucas as gralhas, e notei que revolviam o solo com o bico. Fazer pontaria e puxar gatilho foi obra de um momento. Mas, ai! que horrível o segundo que se lhe seguiu: a espoleta estraçalhou-se e vários estilhaços, de mistura com os resíduos da pólvora, vieram dar em cheio em meu rosto. Tonteei, bambearam-se-me as pernas e caí sobre a macega.
- Quanto tempo estive desacordado, não lhe sei dizer. Antes, porém, de recuperar os sentidos, quando o Sol já se encobria por trás da mata, um pesadelo fabuloso, qual uma história de fadas, gravou-se-me na memória. Revi-me de arma em punho, pronto para fazer fogo.
Quando o fiz, iluminou-se o alvo e, abertas as asas brilhantes, o peito a sangrar, veio ele de manso, se achegando a mim. Os pés franzinos evitavam os sapés esparsos pelo chão e o andar esbelto tinha qualquer coisa de divino. Dardejante o seu olhar, estremeci ante aquela figurinha de ave e deixei cair a arma. Estático já, estarreci ao ouvir os sonoros e compreensíveis sons que aquele delicado bico soltava naturalmente. Dizia a gralha:
"És um assassino! Tuas leis não te proíbem matar um homem? E quem faz mais do que um homem não vale pelo menos tanto quanto ele? Eu, como humilde avezinha, entoando a minha tagarelice selvagem como o marinheiro entoa o seu canto de animação na véspera de praticar seus feitos, faço elevar-se toda essa floresta de pinheiros; bordo a beira das matas com o verdor dessas viçosas árvores; multiplico, à medida de minhas forças, a madeira que te serve de teto, que te dá o verde das invernadas, que te engorda o porco, que te aquece o corpo, que te locomove dando o nó de pinho para substituir o carvão-de-pedra nas vias férreas. E ignoras como eu opero!... Vem. Acompanha-me ao local onde me interrompeste o trabalho, para aprenderes o meu doce mister. Vês? Ali está a cova que eu fazia e, além, o pinhão já sem cabeça, que eu devia nela depositar com a extremidade mais fina para cima. Tiro-lhe a cabeça porque ela apodrece ao contato da terra e assim apodrece o fruto todo, e planto-o de bico para cima a fim de favorecer o broto. Vai. Não sejas mais assassino. Esforça-te, antes, por compartilhar comigo nesta suave labuta".
A gralha desapareceu e eu voltei à razão. Levantei-me a custo e fui ao local escavado pelas aves, uma das quais jazia com o peito manchado de sangue, ao lado de um pinhão já sem cabeça. Admirado, verifiquei a certeza da visão: mais adiante cavouquei com as mãos a terra revolvida de fresco e descobri um pinhão com a ponta para cima e sem cabeça.
O José Fernandes fez uma pausa e depois concluiu, mal encobrindo a sua alegria:
- Aí está, caro Fidêncio, como vim a ser um plantador de pinheiros. Quero valer mais que um homem: quero valer uma gralha azul.
Minha Lenda preferida!
ResponderExcluirMissão Divina da gralha azul!
Missão Divina da gralha azul!
ResponderExcluirPostar um comentário
Os comentários deste blog são todos moderados, ou seja, eles são lidos por nós antes de serem publicados.
Não serão aprovados comentários:
1. Não relacionados ao tema do artigo;
2. Com pedidos de parceria;
3. Com propagandas (spam);
4. Com link para divulgar seu blog;
5. Com palavrões ou ofensas a quem quer que seja.
ATENÇÃO: Comentários com links serão excluídos!