
Havia uma menina que gostava de ir buscar água na fonte, sempre com seus brincos de ouro. Toda a delícia da sua vida era ver-se refletida na água com aqueles dois pingentes dourados, um em cada orelha.
Certo dia, ela resolveu tirá-los um pouco, para banhar-se na água, pois tinha muito medo de perdê-los na correnteza. Ao sair, porém, esqueceu-se de recolocá-los, e eles ficaram lá na margem.
Ao chegar em casa e ver que esquecera os brincos amados, ela voltou cor- rendo à fonte. Ao retornar lá, porém, deparou-se com um velho asqueroso.
– O que quer, fedelha? – rosnou o velho.
– O senhor não viu por aí uns brincos dourados?
– Não, mas estou vendo uma bela menina de cabelos dourados!
Apesar de velho, ele ainda tinha força o bastante para fazer ruindade e, com uma rapidez espantosa, tomou a menina e enfiou-a num saco.
– Agora, você vai ficar quietinha aí dentro do surrão até eu mandar você cantar! – disse o velho, levando-a nas costas, ao mesmo tempo em que lhe ensinava uma cantiga que ela deveria repetir sempre que o velho fosse fazer seus peditórios.
Ele dizia: “Canta, canta, meu surrão, senão te meto o porretão!”, enquanto ela tinha de responder: “Metida no surrão de couro, nele hei de sofrer, por causa de uns brincos de ouro, que na fonte achei de perder!”.
Os dois andaram pra cima e pra baixo o dia inteiro, e a cada novo pedido do velho uma bordoada no saco fazia a pobre menina repetir a sua ladainha:
– Metida no surrão de couro, nele hei de sofrer, por causa de uns brincos de ouro, que na fonte achei de perder!
Certo dia, as andanças do velho levaram-no à casa da mãe da menina dos brincos de ouro. Ao reconhecer a voz da filha, a mãe, aflitíssima, convidou o velho para passar a noite na casa.
– O senhor está muito cansado. Coma, beba e depois ponha-se a des- cansar!
O velho encantou-se com tanta caridade, especialmente com aquele negócio de beber. Depois de entornar quase uma pipa de vinho, ele se atirou numa esteira e começou a roncar feito um bugio.
Então a mãe, expedita, tratou de abrir logo o surrão e retirar a filha, quase morta, do seu interior.
– Filhinha amada! – disse a mãe, enternecida, ao ver a menina ainda com os brincos de ouro que ela lhe dera no seu aniversário.
Enquanto o velho dormia, a mãe encheu o surrão de excrementos dos porcos e galinhas da casa, e deixou-o partir no dia seguinte como se levasse ainda no surrão a pobre menina.
– Adeus, mas voltarei, pois aqui passei muito bem! – disse o velho. Depois de andar um quarto de hora, a fome voltou a roer as tripas do velho.
– Prepare-se, menina, pois é hora de cantar!
Ao chegar a outra casa, bateu palmas e uma senhora apareceu. Como sempre ele disse ao surrão:
– Canta, canta, meu surrão, senão te meto o porretão! Só que desta vez o surrão ficou mudo.
– Quer apanhar, fedelha? – disse ele, repetindo o refrão: – Canta, canta, meu surrão, senão te meto o porretão!
Nada outra vez.
Então, tomando o porrete, o velho aplicou uma paulada com tal força no surrão que ele explodiu, enchendo-o de titica de porco e de galinha, dos pés à cabeça.
O velho, depois disso, foi preso e enforcado, para aprender a nunca mais andar por aí raptando meninas com ou sem brincos de ouro.
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