Mitos e Lendas da Cultura Indígena

Mitos e lendas da cultura indígenaPara os índios, a floresta é um mundo, o seu habitat. Da floresta eles obtêm tudo o que precisam para suas vidas, desde material para a construção de suas casas, utensílios básicos, ferramentas, implementos de caça, até alimentos e remédios. Eles sabem que compartilham esse habitat com outros seres, animais de muitas espécies diferentes, que, às vezes, podem ser caçados para alimentar seu povo. 

Desde pequenas, as crianças aprendem sobre a floresta. Jovens, adentram a mata com seus pais, tios e avôs para incursões de caça, ou coleta de frutos, sementes, mel e material para construção de moradia. A floresta é como uma grande enciclopédia viva para o conhecimento indígena.

De uma forma geral, em todas as culturas, os mitos e as lendas surgem como formas que o homem encontrou para compreender e dar sentido aos fatos e eventos da vida e do mundo. Muitos mitos explicam a origem das coisas, como certos alimentos; práticas culturais, como a agricultura, e fenômenos naturais, como o trovão e os eclipses. O contato dos povos indígenas com comunidades próximas tornou algumas destas lendas conhecidas, de modo que  foram absorvidas pela cultura regional brasileira, como a lenda amazônica do boto cor-de-rosa, que gosta de seduzir e namorar as moças incautas às margens dos igarapés. Outras lendas são específicas de cada tribo. É o que explica a pesquisadora e curadora do Museu do Índio do Rio de Janeiro, Chang Whang:
“Geralmente cada povo indígena tem seus mitos de origem, de como seu povo veio a ser. São os mitos cosmogônicos. Esses mitos, transmitidos oralmente, de geração a geração, são muito importantes na formação do indivíduo social, pois fornecem coesão simbólica à percepção do indivíduo como parte de um corpo social, reforçando sua identidade étnica. Desde tempos imemoriais, os mitos descrevem eventos que se dão no mundo indígena, e a floresta é o elemento concreto, visível e tangível desse mundo”.
Veja abaixo alguns dos mitos mais conhecidos da cultura indígena brasileira:

Uiara (Yara ou Iara) - a rainha das águas

A jovem Tupi Uiara era a mais formosa mulher das tribos que habitavam ao longo do Rio Amazonas. Por sua doçura, todos os animais e plantas a amavam. Mantinha-se, entretanto, indiferente aos muitos admiradores da tribo. Em uma tarde de verão, após o Sol se pôr, Uiara permanecia no banho, quando foi surpreendida por um grupo de homens estranhos. Sem condições de fugir, a jovem foi agarrada e amordaçada. Acabou por desmaiar, sendo violentada e atirada ao rio. O espírito das águas transformou o corpo de Uiara em um ser duplo. Continuaria humana da cintura para cima, tornando-se peixe no restante. Uiara passou a ser uma sereia, cujo canto atrai os homens de maneira irresistível. Ao verem a linda criatura, eles se aproximam e são arrastados para as profundezas, de onde nunca mais voltarão.

Mandioca - o pão indígena

Mara era uma jovem índia, filha de um cacique, que vivia sonhando com o amor e um casamento feliz. Certa noite, Mara adormeceu na rede e teve um sonho estranho. Um jovem loiro e belo descia da Lua e dizia que a amava. O jovem, depois de lhe haver conquistado o coração, desapareceu de seus sonhos como por encanto. Passado algum tempo, a filha do cacique, embora virgem, percebeu que esperava um filho. Para surpresa de todos, Mara deu à luz uma linda menina, de pele muito alva e cabelos tão loiros quanto a luz do luar.

Deram-lhe o nome de Mandi (ou Maní) e na tribo ela era adorada como uma divindade. Pouco tempo depois, a menina adoeceu e acabou falecendo, deixando todos amargurados. Mara sepultou a filha em sua oca, por não querer separar-se dela. Desconsolada, chorava todos os dias, de joelhos diante do local, deixando cair leite de seus seios na sepultura. Talvez assim sua filha voltasse à vida, pensava. Até que um dia surgiu uma fenda na terra de onde brotou um arbusto.

A mãe se surpreendeu. Talvez o corpo da filha desejasse dali sair. Resolveu então remover a terra, encontrando apenas raízes muito brancas, como Mandi (Maní), que, ao serem raspadas, exalavam um aroma agradável. Todos entenderam que criança havia vindo à Terra para ter seu corpo transformado no principal alimento indígena. O novo alimento recebeu o nome de Mandioca, pois Mandi (Maní) fora sepultada na oca.

Vitória-régia (ou mumuru) – a estrela dos lagos

Maraí era uma jovem e bela índia, que amava muito a natureza e tinha o hábito de contemplar chegada da Lua e das estrelas. Nasceu nela, então, um forte desejo de se tornar uma estrela. Perguntou ao pai como surgiam aqueles pontinhos brilhantes no céu e, com grande alegria, soube que Jacy, a Lua, ouvia os desejos das moças e, ao se esconder atrás das montanhas, transformava-as em estrelas. Muitos dias se passaram sem que a jovem realizasse seu sonho. Maraí resolveu, então, aguardar a chegada da Lua junto aos peixes do lago. Assim que ela apareceu, Maraí, encantada com sua imagem refletida na água, foi sendo atraída para dentro do lago, de onde nunca mais voltou. A pedido dos peixes, pássaros e outros animais, Maraí não foi levada para o céu. Jacy transformou-a em uma bela planta aquática, que recebeu o nome de vitória-régia (ou mumuru), a estrela dos lagos.

Guaraná – a essência dos frutos

Aguiry era um alegre indiozinho, que se alimentava somente de frutas. Todos os dias saía pela floresta à procura delas, trazendo-as num cesto para distribuir entre seus amigos. Certo dia, Aguiry se afastou demais da aldeia e se perdeu na mata. Jurupari, o demônio das trevas que tinha corpo de morcego, bico de coruja e também se alimentava de frutas, vagava pela floresta quando encontrou o índio não hesitou em atacá-lo. Os outros índios encontram Aguiry morto ao lado de um cesto vazio. Tupã, o deus do bem, ordenou que retirassem os olhos da criança e os plantassem sob uma grande árvore seca. Seus amigos deveriam regar o local com lágrimas, até que ali brotasse uma nova planta, da qual nasceria o fruto que conteria a essência de todos os outros, deixando mais fortes e mais felizes aqueles que dele comessem. A planta que brotou dos olhos de Aguiry possui sementes em forma de olhos e recebeu o nome de guaraná.

Curupira

Trata-se de um ser do tamanho de uma criança de seis ou sete anos, peludo como o bicho preguiça, de unhas compridas e afiadas, com o calcanhar para frente e os dedos dos pés para trás, que anda nu pela floresta. Ele toma conta da mata e dos animais e mora nos buracos das árvores que tem raízes gigantescas, muito comuns na Floresta Amazônica. O curupira ajuda os caçadores e os pescadores que lhe oferecem cachaça, fósforo e fumo. Esta oferta é para que o indivíduo tenha fartura nas caçadas, pescarias e roçados. As pessoas que não têm devoção pelo curupira sentem medo, enjôo e náuseas a quilômetros de distância dele. Com essas pessoas, ele brinca fazendo com se percam na mata. Para se livrar do curupira deve-se cortar uma vara, fazer uma cruz e colocar em um rolo de cipó tumbuí, bem apertado. Ele vê esse objeto e procura desmanchar o enrolado. Enquanto fica entretido em desmanchar o enrolado, a pessoa tem tempo para fugir.

Saci Pererê

Muito esperto e travesso,  ele aparece sempre às sextas- feiras, à noite, pulando com uma perna só, mostrando seus olhinhos brilhantes e os dentes pontiagudos. Usa uma camisa e uma carapuça vermelha na cabeça e traz em uma das mãos um cachimbinho de barro. Sua tarefa é carregar para uma mata muito distante crianças desobedientes e manhosas, gorar ovos de ninhadas, queimar balões, azedar leite, fazer o milho de pipoca virar piruá e atacar os viajantes, pedindo fumo e fogo. Se alguém recusa seu pedido, ele faz cócegas na pessoa até que ela morre de tanto rir.

Boto

É o mais importante habitante encantado do Rio Amazonas. À meia-noite ele se transforma em homem, andando por cima dos paus das beiradas do rio, de preferência sobre os buritizeiros tombados nas margens. Veste roupa branca e usa um chapéu branco para ocultar uma abertura no alto da cabeça por onde sai um forte cheiro de peixe e hálito de maresia. Ele aparece tão elegante nas festas que encanta e seduz as donzelas. Dança a noite toda com as mais jovens e mais bonitas da festa. Sai com elas para passear e antes do amanhecer pula na água e volta à forma primitiva de peixe, deixando as moças sempre grávidas. Além de sedutor e fecundador é conhecido também como o pai das crianças de paternidade desconhecida, pois as mães solteiras o acusam de ser o pai de seus filhos. O boto-homem é obcecado por mulheres, sente o cheiro feminino a grandes distâncias. Para evitar que ele apareça esfrega-se alho na canoa, nos portos e nos lugares onde ele gosta de aparecer.

Uirapuru

Certa vez um jovem guerreiro apaixonou-se pela esposa do grande cacique, mas como não podia se aproximar dela pediu a Tupã (Lua) que o transformasse em pássaro. Tupã fez dele um pássaro de cor vermelho-telha, que toda noite ia cantar para sua amada. Quando cacique notou seu canto tão lindo e fascinante, perseguiu a ave para prendê-la só para si. O uirapuru voou para bem distante da floresta e o cacique que o perseguia, perdeu-se dentro das matas e igarapés e nunca mais voltou. O lindo pássaro volta sempre, canta para a sua amada e vai embora, esperando que um dia ela descubra seu canto e seu encanto.

Caipora

Trata-se de um menino de pele escura, pequeno e rápido, cabeludo e feio, que fuma cachimbo, e tem a função de proteger os animais da floresta, os rios e as cachoeiras. Vive sondando as matas montado em um porco, sempre com uma longa vara na mão. Quando o caçador se aproxima o caipora pressente sua chegada através do vento que lhe agita os cabelos. Então sai a galope em seu porco fazendo barulho para espantar veados, coelhos, capivaras e outros animais de caça. Às vezes, o caçador, sem ver direito, corre atrás do próprio caipora que montado em seu porco faz zigue-zague pelo mato até perder-se de vista.

(*Fontes Funai e Fundação Joaquim Nabuco)

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