El, O Deus Supremo: A Fascinante História do Pai Esquecido dos Deuses

No vasto e poeirento panteão das mitologias do Antigo Oriente, poucas figuras são tão importantes e, ao mesmo tempo, tão enigmáticas quanto El. Ele não era apenas mais um deus. Pelo contrário, ele era o patriarca, o rei sábio, o criador de tudo. Imagine um soberano idoso, de cabelos e barba brancos como a neve, sentado em um trono celestial, de onde observava com calma a dança cósmica que ele mesmo havia iniciado. Este era El, a autoridade máxima, o ponto de origem para deuses e mortais.

A história de El, O Deus Supremo, é uma jornada fascinante que nos leva às antigas cidades de Canaã, especialmente a Ugarit, onde textos antigos revelaram sua grandiosidade. Embora seu nome possa não ser tão famoso hoje quanto o de Zeus ou Odin, sua influência é, talvez, muito mais profunda e duradoura, ecoando em tradições e religiões que moldaram o mundo moderno. Portanto, este artigo irá desvendar os véus do tempo para explorar quem foi esse deus poderoso, como era sua família divina, quais eram seus símbolos e, mais importante, como seu legado sobreviveu de maneiras surpreendentes. Prepare-se para conhecer a história do pai de todos.

El, O Deus Supremo: A Fascinante História do Pai Esquecido dos Deuses

Quem Foi El, O Deus Supremo?

Para entender verdadeiramente a importância de El, precisamos viajar no tempo. Voltamos para a Idade do Bronze, em uma região conhecida como Levante, que hoje abrange países como Síria, Líbano, Jordânia e Israel. Nessa terra, floresceu uma civilização conhecida como cananeia. Eles eram um povo de comerciantes, marinheiros e agricultores, e sua visão de mundo era profundamente conectada a um complexo panteão de deuses e deusas que governavam as forças da natureza. No topo de toda essa estrutura divina, reinava El.

Em outras palavras, El era a figura paterna por excelência. Ele não era um deus da guerra impetuoso ou um deus do trovão barulhento. Em vez disso, sua principal característica era a sabedoria. Ele era o juiz final, aquele a quem os outros deuses recorriam em busca de permissão ou para resolver disputas. Sua autoridade não vinha da força bruta, mas da idade, da experiência e de seu papel como o criador original. Consequentemente, ele era visto como uma figura distante, porém benevolente, um avô cósmico cujo consentimento era essencial para manter a ordem no universo.

A Origem nos Textos de Ugarit

A maior parte do que sabemos sobre El vem de uma descoberta arqueológica espetacular. Em 1928, na costa da Síria, agricultores encontraram por acaso as ruínas da antiga cidade de Ugarit. As escavações revelaram um tesouro de tabletes de argila, escritos em uma língua semítica antiga. Esses textos, conhecidos como os "Textos de Ugarit", eram os arquivos religiosos e mitológicos da cidade.

Nesses tabletes, El é apresentado de forma clara e detalhada. Eles o descrevem como 'ab 'adm, que significa "pai dos homens", e bny bnwt, ou "criador das criaturas". Além disso, ele também é chamado de "Pai dos Anos", um título que enfatiza sua antiguidade e sabedoria eterna. Os mitos de Ugarit, especialmente o famoso "Ciclo de Baal", mostram El presidindo o conselho divino. É em sua morada, "na nascente dos dois rios, no meio das fontes do duplo abismo", que as decisões mais importantes do cosmos são tomadas. Portanto, esses textos são nossa janela mais clara para o mundo em que El era a divindade máxima.

O Pai de Todos

O papel de El como pai não era apenas um título honorífico. Ele era literalmente considerado o pai da maioria dos deuses do panteão cananeu. Essas divindades eram chamadas coletivamente de "'ilhm", que pode ser traduzido como "os filhos de El". Estima-se que ele tinha setenta filhos, que governavam diferentes aspectos do mundo natural e da vida humana.

Essa estrutura familiar divina era um reflexo da sociedade patriarcal da época. Assim como o pai era a autoridade máxima em uma família humana, El era a autoridade máxima na família divina. No entanto, sua paternidade também era marcada por uma certa distância. Nos mitos, El raramente interfere diretamente nos assuntos do mundo. Em vez disso, ele delega tarefas e poder aos seus filhos, especialmente ao vigoroso deus da tempestade, Baal. Essa dinâmica entre um pai mais velho e um filho mais ativo e popular é um tema central na mitologia cananeia e ajuda a explicar como o culto a El evoluiu ao longo do tempo. Ele era o poder por trás do trono, a fonte de toda a legitimidade.

As Características e Símbolos de El

Para os antigos cananeus, os deuses não eram apenas conceitos abstratos. Eles tinham personalidades, aparências e símbolos que os tornavam reconhecíveis e relacionáveis. El, como a divindade suprema, possuía uma iconografia rica que reforçava seu status e seus atributos. Essas representações nos ajudam a construir uma imagem mais clara de como ele era percebido por seus seguidores.

O Sábio de Barba Branca

A imagem mais comum de El é a de um homem idoso e majestoso. Ele é quase sempre descrito com uma longa barba branca, um símbolo universal de idade, sabedoria e autoridade. Em várias representações artísticas encontradas, como estelas e selos, El aparece sentado em um trono, uma postura que indica seu papel como rei e juiz. Sua expressão é geralmente serena e pensativa, não a de um guerreiro furioso, mas a de um monarca sábio que já viu de tudo.

Essa imagem de um deus-pai idoso e sábio é incrivelmente poderosa e influente. Ela estabelece um arquétipo que pode ser encontrado em muitas outras culturas e religiões. A ideia de que a divindade suprema é uma fonte de sabedoria infinita, em vez de apenas poder bruto, tem suas raízes na figura de El. Ele era a estabilidade em um mundo muitas vezes caótico, a certeza em meio à incerteza.

O Touro Divino: Força e Fertilidade

Apesar de sua imagem como um patriarca idoso, El também estava associado a um símbolo de imensa força e poder: o touro. Um de seus títulos mais importantes era "ôru 'Ilu", que significa "O Touro El". Na antiguidade, o touro era um símbolo poderoso de potência, fertilidade e resistência. Ele representava a força criadora da natureza.

Ao se associar ao touro, El não era apenas o sábio rei, mas também a força primordial que garantia a fertilidade da terra e a continuação da vida. Essa dualidade é fascinante. Por um lado, ele é o governante passivo e distante; por outro, ele é a fonte de toda a energia vital. O touro simbolizava seu poder latente, a força que sustentava todo o cosmos, mesmo que ele não a exercesse de forma direta e violenta como outros deuses. Essa associação também o conectava profundamente aos ciclos agrícolas, que eram essenciais para a sobrevivência do povo cananeu.

Seus Nomes e Títulos

Os nomes e títulos dados a uma divindade revelam muito sobre como ela era compreendida. El possuía uma variedade de epítetos que destacavam diferentes facetas de seu caráter e poder. Alguns dos mais importantes incluem:

  • 'Ilu: Seu nome principal, que simplesmente significa "Deus". Isso demonstra sua posição como a divindade por excelência.
  • Pai dos Homens ('ab 'adm): Enfatiza seu papel como o criador e protetor da humanidade.
  • Criador das Criaturas (bny bnwt): Reforça sua função como o demiurgo, o artesão divino que deu forma ao mundo.
  • Rei ('mlk): Destaca sua soberania sobre todos os outros deuses e sobre o universo.
  • Pai dos Anos ('ab šnm): Reitera sua antiguidade, sabedoria e natureza eterna.
  • O Benigno, o Compassivo (ltpn 'il dpid): Revela um lado mais suave de seu caráter, mostrando que ele não era apenas um governante distante, mas também uma fonte de misericórdia.

Cada um desses títulos pintava uma parte do retrato complexo de El, O Deus Supremo. Juntos, eles o descreviam como uma divindade completa: criador, rei, juiz, pai e protetor.

El, O Deus Supremo: A Fascinante História do Pai Esquecido dos Deuses

A Família Divina: El e o Panteão Cananeu

Nenhuma divindade existe no vácuo. El era o chefe de uma grande e, por vezes, tumultuada família divina. As interações entre El, sua esposa e seus filhos formam o núcleo da mitologia cananeia e revelam as tensões e alianças que, segundo eles, governavam o mundo. Essa família divina era, em muitos aspectos, um espelho das famílias humanas, com suas próprias rivalidades, lealdades e dramas.

Asera, a Esposa do Deus Supremo

Ao lado de El reinava a deusa Asera, a grande mãe do panteão. Ela era sua consorte oficial e a mãe dos setenta deuses. Asera era uma figura extremamente importante, venerada como a deusa da fertilidade, do amor e da maternidade. Juntos, El e Asera formavam o casal divino original, representando a união das forças criadoras masculina e feminina.

Asera era frequentemente chamada de "'Airatu Yammi", ou "Aquela que Pisa no Mar", indicando seu poder sobre as forças caóticas da natureza. Embora El fosse o rei, Asera tinha sua própria autoridade e influência. Ela frequentemente atuava como intermediária entre os deuses mais jovens e seu marido distante, usando sua sabedoria e diplomacia para interceder em favor de seus filhos. A relação entre El e Asera simbolizava a estabilidade e a ordem cósmica, o equilíbrio fundamental sobre o qual o universo se apoiava.

Baal, o Filho Trovão

Se El representava a autoridade estática e a sabedoria, seu filho (ou, em algumas tradições, neto) Baal representava a ação dinâmica e o poder. Baal era o deus da tempestade, da chuva e da fertilidade agrícola. Ele era jovem, ambicioso e impetuoso. Grande parte da mitologia cananeia, especialmente o Ciclo de Baal, gira em torno de suas batalhas para se tornar o rei dos deuses.

A relação entre El e Baal é complexa. El é o rei legítimo, mas Baal é quem luta contra os monstros do caos, como Yam (o deus do mar) e Mot (o deus da morte). Para construir seu palácio ou exercer seu poder, Baal precisa repetidamente da permissão de seu pai, El. Em muitos momentos, El parece favorecer outros filhos, mas, no final, ele sempre reconhece a força e a necessidade de Baal para a manutenção do mundo. Essa dinâmica reflete uma transição no culto religioso, onde o povo começou a se voltar mais para o deus ativo e presente (Baal) do que para o deus criador distante (El). Mesmo assim, a autoridade final de El nunca era questionada.

Os Setenta Filhos de El

Além de Baal, a prole divina de El e Asera era vasta. Os "setenta filhos de El" compunham o conselho divino, ou a assembleia dos deuses. Cada um desses deuses tinha seu próprio domínio e responsabilidades. Embora a maioria não seja detalhada nos textos sobreviventes, eles representavam a totalidade das forças divinas que governavam o mundo.

Essa ideia de um conselho celestial presidido pelo deus supremo é um conceito poderoso. Ela mostra que, mesmo na esfera divina, as decisões eram tomadas de forma colegiada, sob a liderança do patriarca. Essa estrutura também servia para organizar o mundo de forma teológica: cada nação e cada força da natureza tinha sua própria divindade padroeira, mas todas, em última análise, respondiam à autoridade de El.

O Legado de El e a Conexão com Outras Religiões

A história de um deus não termina quando seu último templo é abandonado. As ideias, os símbolos e as narrativas associadas a uma divindade poderosa como El muitas vezes se transformam, se fundem e continuam a viver em novas formas. O legado de El é um dos exemplos mais notáveis desse fenômeno, especialmente sua profunda conexão com o desenvolvimento do monoteísmo na mesma região.

El e Yahweh: Uma Ligação Fascinante

Uma das áreas mais estudadas e debatidas da mitologia e da religião comparada é a relação entre El, o deus supremo cananeu, e Yahweh, o Deus da Bíblia Hebraica. Evidências textuais e arqueológicas sugerem uma conexão profunda e uma eventual fusão entre essas duas figuras.

Primeiramente, o próprio nome "El" é uma palavra semítica genérica para "deus". Na Bíblia Hebraica, uma das palavras mais comuns para Deus é "Elohim" (uma forma plural de El, frequentemente usada com um verbo no singular para se referir a um único Deus). Além disso, o nome "Israel" é amplamente interpretado como "aquele que luta com El". Vários títulos de El também são aplicados a Yahweh no Antigo Testamento, como "El Shaddai" (Deus Todo-Poderoso) e "El Elyon" (Deus Altíssimo).

Muitos estudiosos acreditam que, nos primórdios da religião israelita, Yahweh era visto como uma divindade distinta, possivelmente um deus da guerra ou da metalurgia. No entanto, com o tempo, à medida que o monoteísmo se consolidava, Yahweh começou a absorver as características e os títulos dos outros deuses da região, principalmente de El. Ou seja, as qualidades de El como o deus criador, o pai sábio e o rei do panteão foram transferidas para Yahweh. Esse processo, conhecido como sincretismo, resultou em uma única divindade que combinava o poder ativo de Yahweh com a autoridade primordial e a sabedoria paterna de El. Assim, a imagem do Deus barbudo e idoso no trono celestial, tão comum na arte ocidental, deve muito mais à iconografia original de El do que à de um deus da tempestade.

O Desaparecimento de um Culto

Se El era tão importante, por que seu culto desapareceu? A resposta é multifacetada. Primeiramente, como vimos, a popularidade de deuses mais ativos e "presentes", como Baal, começou a ofuscar o culto ao deus criador mais distante. As pessoas, em seus rituais diários pela chuva e por colheitas férteis, se voltavam mais para Baal.

Em segundo lugar, as grandes mudanças políticas e culturais na região do Levante levaram ao declínio da religião cananeia como um todo. A ascensão de impérios como a Assíria, a Babilônia e a Pérsia impôs novas influências culturais e religiosas.

Finalmente, o fator mais decisivo foi o surgimento e a consolidação do monoteísmo israelita. A insistência em adorar um único Deus, Yahweh, levou à rejeição ativa dos outros deuses do panteão cananeu, incluindo El como uma entidade separada. Os profetas bíblicos frequentemente condenavam a adoração de Baal e Asera. No processo, as qualidades de El foram tão completamente absorvidas por Yahweh que não havia mais necessidade ou espaço para ele como uma divindade independente. Paradoxalmente, El não foi tanto derrotado, mas sim assimilado. Ele "desapareceu" ao se tornar a fundação sobre a qual uma nova concepção de Deus foi construída.

Conclusão: A Sombra de um Deus Esquecido

A jornada pela história de El, O Deus Supremo, nos mostra um personagem divino de imensa grandeza. Ele foi o ponto de estabilidade em um cosmos turbulento, o pai sábio de uma família divina barulhenta e o criador silencioso de tudo o que existia. De seu trono nas nascentes dos rios, ele governava com sabedoria em vez de com força, sua autoridade era inquestionável, mesmo quando outros deuses tomavam o centro do palco.

Embora os altares de El tenham se transformado em pó e os hinos em seu louvor tenham sido silenciados há milênios, sua essência perdura. Sua imagem como o patriarca celestial, o juiz sábio e o pai amoroso foi tão fundamental que sobreviveu à sua própria religião, tornando-se um arquétipo duradouro no imaginário religioso ocidental.

Portanto, ao estudarmos El, não estamos apenas olhando para uma divindade esquecida de um povo antigo. Estamos, na verdade, examinando as raízes profundas de muitas das ideias sobre Deus que continuam a moldar nosso mundo hoje. A sombra de El é longa, e em sua história, descobrimos que os deuses podem morrer, mas as ideias que eles representam muitas vezes encontram uma maneira de se tornarem eternas.

Perguntas Frequentes sobre El, O Deus Supremo

1. Qual é a principal diferença entre El e Baal?

A principal diferença está em seus papéis e personalidades. El é o deus criador, o rei primordial, sábio, idoso e geralmente distante. Sua autoridade é suprema, mas ele raramente age diretamente. Baal, por outro lado, é um deus mais jovem, dinâmico e ativo. Ele é o deus da tempestade e da fertilidade, que luta contra as forças do caos. Em resumo, El é o poder soberano, enquanto Baal é o poder executivo.

2. El é o mesmo Deus da Bíblia?

Essa é uma questão complexa. El não é exatamente o mesmo, mas está profundamente conectado. A maioria dos estudiosos concorda que a figura do Deus da Bíblia (Yahweh) absorveu muitas das características, títulos e até mesmo o nome de El durante o desenvolvimento do monoteísmo israelita. Assim, pode-se dizer que Yahweh assumiu o papel e os atributos que antes pertenciam a El no panteão cananeu.

3. Onde viviam os cananeus que adoravam El?

Os cananeus viviam em uma região chamada Canaã, no Levante, durante a Idade do Bronze e a Idade do Ferro. Essa área corresponde aproximadamente aos territórios modernos de Israel, Palestina, Líbano, oeste da Jordânia e oeste da Síria. Eles não eram um império unificado, mas uma coleção de cidades-estado com uma cultura e religião compartilhadas.

4. Por que El não é tão famoso quanto Zeus ou Odin?

Existem algumas razões. Primeiramente, a cultura cananeia foi em grande parte absorvida ou substituída por outras civilizações, enquanto as mitologias grega e nórdica foram preservadas e popularizadas por meio da literatura e da arte ao longo da história ocidental (por exemplo, pelos romanos e, mais tarde, durante o Renascimento e o Romantismo). Em segundo lugar, como El foi assimilado pela figura de Yahweh, sua identidade distinta se perdeu para a cultura popular, ao contrário de Zeus, que sempre permaneceu uma figura separada. 

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